terça-feira, 30 de outubro de 2012

Amor de Velhice

Imagem: Google


Remexendo a esmo meus baús de ideias encontrei esta frase que me comoveu: "Um homem velho amando é como uma flor que floresce no inverno". Não havia indicação de que era o autor. Também não tinha importância. Que importância tem o autor? Vale para as palavras aquilo que Ângelus Silésius disse sobre a rosa: "A rosa não tem por quês. Ela floresce porque floresce".

Mas não há como negar o fato de que flor florescendo no inverno e velho namorando na velhice são fatos estranhos, incomuns, vão contra  a natureza, causam espanto. Os filhos, vendo as florescências do amor no rosto do velho pai ou da velha mãe, tratam de tirar a tesoura de podar da caixa de ferramentas porque velho amanda é ridículo.

Já escrevi um livro que conta estórias de velhos apaixonados: T.S.Eliot, Florentino Ariza e Fermina Dazza, Hiroshi Okumura, o jardineiro japonês apaixonado pela alemãzinha "Freulein"... É preciso reconhecer que um velho e uma velha namorando de mãos dadas é uma cena comovente. Mas um velho e uma velha trocando beijos e abraços num jardim causa uma reação de espanto...

A Cristina Mattoso me contou essa singela e dolorida estória que se segue que desejo compartilhar com vocês:

Eles moravam numa pequena cidade do interior do estado do Rio. Ele era muito querido por todos da sua juventude, pouco mais de trinta anos de idade.

Ela era professora e tinha quase vinte anos quando se apaixonou por ele.

Ele era simpático, bonitão, estudioso e tímido. Ela era bela, delicada e discreta. Na década de 1930, as mulheres deviam saber esperar. Se a mulher desse o primeiro passo na direção do homem, ela seria malfalada.

Passaram-se dez anos sem que se tornassem amigos. Só se viam de longe e só trocavam as palavras essenciais. Ele não se casou. E nem ela.

Um dia, repentinamente, ela precisou partir para São Paulo. Sua irmã mais velha havia falecido e deixado três filhos ainda pequenos para criar.

Seu cunhado era um homem atraente, de olhos profundos e poucas palavras. Desnorteado, não sabia o que fazer da vida. Cuidado vai, cuidado vem, ela se afeiçoou pelas crianças e por aquele homem endurecido, que sorria pouco e lindo. Aconteceu o inevitável. Ele perguntou se ela queria casar-se com ele... Ela contou a verdade: que sentia um amor sem futuro por um outro homem, mas que, se ele a aceitasse mesmo assim, ela se casaria com ele.

Ele aceitou. Casaram-se, tiveram outros filhos e viveram relativamente bem.

Depois de muitos anos e alguns netos, um dia ela recebeu um telefonema surpreendente. Era a irmã do então jovem médico que a estava avisando que ele tinha se mudado para São Paulo. Velho e doente, queria vê-la. Com as mãos trêmulas, anotou o endereço e com o coração agitado procurou seu marido e contou o que estava acontecendo.

Para sua surpresa, o marido imediatamente se levantou, vestiu o paletó e disse: Vamos!

Seguiram para o hospital. O marido a deixou na porta do quarto, avisando-a que a esperava no saguão.

Tiveram então, os dois, a primeira longa conversa de suas vidas. Ele confessou que a havia amado a vida inteira e que só a proximidade da morte lhe dera a coragem de se aproximar.

Não se sabe o que se passou nem o que sentiram quando se viram velhos e amados um pelo outro - certamente seguraram-se as mãos - a vida inteira. Os apaixonados de vida inteira voltaram a se ver foram se vendo até que o médico morreu, algumas semanas mais tarde, sorrindo por se sentir amado.

A beleza das flores que florescem no inverno está no seu perfume e na sua delicadeza. Mas é uma beleza triste que floresceu e perfuma durante a noite e está morta pela manhã.

Livro: Pimentas - Para provocar um incêndio, não é preciso fogo - Rubem Alves - págs. 107 a 109.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Paladar da nostalgia



Senti o gosto da nostalgia...
Saudades de um tempo que ainda não vivi

Saudades do olhar que penetra a alma
Que em silêncio toca minha alma
Que no sorriso transforma o meu dia...

Senti o gosto da nostalgia...
Saudades de um tempo que vivi

Saudades da menina que brincava no quarto
Que dançava escondido por causa do medo
Que cantava baixinho por ter vergonha
Que sonhava acordada pois o sonho não cabia no sono

Então, entrego-me a poesia e as canções
Mergulhada no tempo que não tem relógio
Deixo-me ser levada pelas lembranças
Deixo-me ser levada pelos sonhos que um dia tive comigo

Hoje, tudo que sinto é o gosto do fel e do mel
Doce e amargo
Nostalgia...